A recente pesquisa Quaest revela mais que números: ela desnuda a alma política de uma nação fatigada. A assertiva “Nem Lula, nem Bolsonaro” não é mero reflexo de preferências eleitorais momentâneas, mas o eco de um inconsciente coletivo que, saturado de antagonismos, anseia por transcendência na esfera da governança civil. Quando 40% da população diz temer a permanência de Lula e 45% teme o retorno de Bolsonaro, não se trata apenas de rejeição individual, mas de uma crítica profunda ao modelo binário de poder.
Vivemos uma espécie de exaustão moral do pacto democrático polarizado. Tal esgotamento revela uma ruptura silenciosa entre governantes e governados, onde os símbolos já não comunicam esperança, mas produzem medo. Na filosofia política, Hobbes nos advertia que o medo é o cimento do contrato social; contudo, quando ele não constrói a paz, apenas engendra paralisia e ressentimento.
Teologicamente, esta tensão remete à Babilônia bíblica: um império onde os discursos se confundem e a verdade se fragmenta. A polarização atua como uma Torre de Babel moderna – construída com promessas, mas incapaz de unir. A governança civil, para ser restauradora, precisa mais que medidas paliativas: exige arrependimento público, reconfiguração ética e escuta atenta ao clamor silencioso das ruas.
Governar, no sentido mais nobre, é traduzir justiça em prática. No entanto, como aponta a própria pesquisa, anúncios como desconto na conta de luz ou isenção de impostos ainda não atravessaram o véu da concretude para tocar o cotidiano do povo. A desaprovação de 57% a Lula sinaliza não apenas descontentamento, mas o risco de orfandade política.
Neste cenário, o leitor é convidado a refletir: seria esta polarização um ciclo inevitável ou a antessala de um novo paradigma político? Estamos presos a um embate entre ídolos já corroídos ou à beira de redescobrir a política como serviço, e não como espetáculo?
A brecha revelada pela Quaest não é ainda uma saída, mas uma fresta. E pela fresta entra luz — se houver sabedoria para discernir, coragem para propor, e humildade para ouvir. O futuro não clama por salvadores carismáticos, mas por líderes justos, enraizados na verdade, guiados pela razão e movidos pela compaixão. Que esta geração saiba reconhecer essa diferença.
Texto por: Marcello Amorim
• Marcello Amorim é um pensador contemporâneo cuja atuação transita entre a filosofia, a teologia, o jornalismo e a educação. Mestre em Ciências da Educação, dedica-se à construção de pontes entre saber e sociedade, oferecendo análises lúcidas e humanistas sobre os desafios do nosso tempo.