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É estranho propor anistia para quem não foi condenado, diz presidenta eleita do STM

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A presidente eleita do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, em entrevista ao Blog do Helcio Zolini, analisa as motivações e os efeitos da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, que completou dois anos nesta quarta-feira. Para ela, a grande lição que fica é que a democracia nunca está acabada.

Na opinião da magistrada é muito cedo para se falar em anistia para os envolvidos nos atos antidemocráticos. “Acho estranho essa proposta. Como anistiar se muitos dos envolvidos não foram nem condenados?”

Na entrevista, além de tocar em temas sensíveis aos quartéis, como as questões dos privilégios dos militares, as pensões para filhas solteiras, o envolvimento de militares com a política e com a trama golpista, Maria Elizabeth conta a sua impressão sobre o filme “Ainda estou aqui“. “Assisti e saí do cinema com lágrimas nos olhos. Foi doloroso assisti-lo”.

Ela também comenta sobre uma eventual prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e conta como ela e o STM reagiram quando tomaram conhecimento dos detalhes da tentativa de golpe e do plano para matar os presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Ao falar sobre os anos de chumbo, a ministra revela que a sua família, integrada por militares, foi vítima da ditadura militar (1964–1985). O cunhado dela, Paulo Costa Ribeiro Bastos, era filho de um general e participava do MR-8, quando foi capturado, torturado e teve o seu corpo jogado no mar. O nome dele está entre os 434 mortos e desaparecidos políticos relacionados pela Comissão Nacional da Verdade.

A ministra ressalta que as Forças Armadas “não são uma instituição de tortura” e que “os militares pagam por 64 até hoje, quando na verdade, se esquece que aquele golpe não foi um golpe só militar”. “Os militares serviram apenas, essa é a minha visão, de braço armado das elites brasileiras, que sempre atuaram nos bastidores e que sempre manipularam atores políticos e os papeis sociais”.

Ela destaca ainda a presença de mulheres nas Forças Armadas e revela as suas prioridades e objetivos à frente do tribunal que comandará no biênio 2025–2027.

Posse será no final de março

Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha é mineira, de Belo Horizonte e tornou-se a primeira mulher eleita para presidir a mais alta Corte da Justiça Militar, instituição criada há 216 anos, para julgar desvios de militares. Integrante do STM desde 2007, ela foi nomeada durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Entre 2013 e 2015, a ministra exerceu interinamente a presidência do STM, ocupando o cargo em um mandato-tampão. À época, mandou degravar todas as sessões da Lei de Segurança Nacional, onde constam depoimentos dos presos políticos que eram julgados pelo STM.

Garantista e progressista, ela é considerada uma voz dissonante num ambiente machista e conservador.

A ministra tomará posse na presidência do STM no final de março, aos 64 anos, metade deles dedicados ao ensino de Direito Constitucional.

Leia os principais trechos da entrevista:

Ministra Maria Elizabeth Rocha, do STM

Ministra Maria Elizabeth Rocha, do STM

Tentativa de golpe no 8 de janeiro

A grande lição é que a democracia nunca está acabada. Ela é um processo continuado, está sempre por si fazer. Tanto a democracia quanto a constituição, são missões inter-geracionais que nós temos que cuidar, irrigar e ficar atentos, porque do contrário, corremos o risco de perdê-las. Uma Constituição democrática, um Estado de Direito, são frutos de conquistas árduas da cidadania. E o Brasil lutou muito para tê-las. Então, de tudo o que realmente ficou assentado para nós brasileiros cidadãos, é que devemos cuidar com muita atenção do regime democrático, porque ele nunca se consolida, ele está sempre por fazer.

Militares envolvidos no 8 de janeiro

“Eu acho que (o envolvimento) nem é só dos militares. Eu diria que da sociedade civil como um todo, que está completamente dividida.

Veja bem, quem quebrou o relógio no Palácio do Planalto era um trabalhador. Teoricamente, ele deveria estar do lado dos marginalizados, dos despossuídos. Ele deveria ser, entre aspas, eu não gosto de usar essa expressão, mas são as que são usadas corriqueiramente, uma pessoa de esquerda. Mas eu acho que a desilusão com o Estado tem sido tão grande, o desapontamento com o Estado tem sido tão grande e as frustrações constitucionais. A Carta de 1988 é belíssima, ela é programática e encerra conteúdos de justiça social, que todos nós defendemos e buscamos.

No entanto, esses compromissos sociais não tem sido objeto de entrega por parte do Estado, e aí o cidadão se frustra, o cidadão se revolta. O 8 de janeiro não começou no 8 de janeiro. Muito antes disso, no governo Dilma (em 2013) houve o quebra-quebra da sociedade, de homens comuns que destruíram o Palácio do Itamaraty, tomaram o Plano Piloto na Praça dos Tribunais Superiores e depredaram o Estado.

Eu não tenho essa visão maniqueísta de esquerda e direita. Eu tenho uma visão de uma insatisfação absoluta da sociedade brasileira com o Estado, de uma frustração constitucional dos cidadãos para com a política e para com a Constituição. Mas o fato é que a política ainda é a melhor garantia de sanidade para sociedades bem ordenadas. É impossível você pensar algo dentro do Estado, fora da política, fora do contrato social.

Então é preciso, realmente, que haja uma releitura de como o Estado deve se comportar diante do cidadão, diante da sociedade civil, sobretudo daqueles que são desvalidos, que são alijados, relegados a um lugar que eles não têm chance de acesso.

Nós sempre vivemos numa sociedade de homens e mulheres desiguais que, além de tudo, têm suas situações pioradas de acordo com as interseccionalidades, se é mulher, negro, hipossuficiente, se a orientação sexual é diversa da heteronormativa. Então, há muitos fatores aí que geraram esse caldo de revolta e que merecem ser estudados daqui a alguns anos com distanciamento histórico para que as análises possam ser feitas de forma imparcial.”

Envolvimento de militares de alta patente e Kids Pretos

Eu penso muito sobre isso, eu reflito muito sobre isso. Eu acho que há uma transformação também por parte das Forças Armadas em relação à sociedade, que não reconhece o seu valor. Mas não a ponto de querer desfechar um golpe de Estado.

Acho que os militares pagam 64 até hoje, quando na verdade, se esquece que aquele golpe não foi um golpe só militar. Os militares serviram apenas, essa é a minha visão, de braço armado das elites brasileiras, que sempre atuaram nos bastidores e que sempre manipularam atores políticos e os papéis sociais.

Eles são formados, sobretudo o oficialato, por famílias de classe média. E acho que a classe média está insatisfeita com o Estado, está insatisfeita com o país, com os rumos da política. Então, é preciso que haja, realmente, um repensar de como é que nós devemos fazer esse país andar. A sociedade, os governos, sobretudo, não podem fechar os olhos às insatisfações políticas e públicas, porque hoje, as grandes fontes de insatisfação não estão mais dentro do Congresso, mas na arena de discussão popular. As mídias sociais reproduzem bem isso. E é estar atento e ouvir o que povo tem a dizer.

Reação do STM à tentativa de golpe

Todos nós cidadãos brasileiros fomos surpreendidos. Agora, isso não significa que as Forças Armadas têm pactuado com esses atos antidemocráticos. Não se pode julgar determinadas ações individuais e imputá-las a uma instituição.

Nós sabemos também, que dentro do Poder Judiciário também tem magistrados que são corruptos, que usam tornozeleiras. Mas, nem por isso, o Poder Judiciário é prescindível para o Estado. E da mesma forma, as instituições das Forças Armadas são instituições resguardadas pela Constituição que tem por objetivo defender a soberania.

Fomos surpreendidos e ficamos realmente atônitos com tantas revelações. Mas é preciso lembrar também que, por enquanto, só há indícios. É necessário, dentro de um Estado de Direito, primeiro que se apure e, havendo indícios fortes, que o Ministério Público denuncie durante a instrução probatória, que seja comprovada a existência ou não do crime praticado, e, se confirmado, a devida punição deve ser aplicada, senão a devida absolvição.

É assim que funciona o Estado Democrático de Direito. É preciso não antecipar juízos e, com cautela, ver quais serão os próximos desdobramentos.”

Plano para assassinar Lula, Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes

Claro! (que fiquei chocada ao tomar conhecimento). O Brasil não é os Estados Unidos que está acostumado a ver presidente ser objeto de complô. Eu já fiquei assustada quando da facada do (então candidato a presidente) Jair Bolsonaro. Nunca foi assim que a sociedade brasileira reagiu, eliminado candidatos a cargos políticos.

Essa eliminação é feita no voto, na urna, e não fisicamente. Não se elimina ninguém fisicamente. Isso é um horror. Isso é a falência da democracia, isso é a falência do processo civilizatório.
Então, todos nós ficamos chocados. Não de agora, mas desde a facada do Bolsonaro, porque não é assim que a oposição contrária a determinadas ideologias deve reagir.”

Jair Bolsonaro

Ex-presidente Jair Bolsonaro

Prisão de Bolsonaro

Nesse momento, eu acho que deve haver indícios fortes que justificariam uma prisão cautelar. Eu sempre defendi, desde a Operação Lava-Jato, que as prisões só devem ser feitas depois do trânsito em julgado condenatório da sentença penal.

Eu sou uma garantista, sempre abracei os princípios do garantismo. Acho que todo cidadão tem o direito de se defender e a presunção de inocência paira sobre todos nós, qualquer um de nós, independentemente de ideologia. Nesse sentido, eu sou contra o encarceramento, a não ser que haja aqueles requisitos que a prisão preventiva autoriza. Fora isso, eu acho que se deve ir com cautela porque não há bem maior do que a liberdade.

Eu inclusive considero (a liberdade) um bem jurídico maior do que a própria vida. E para privar qualquer indivíduo dela, o Estado tem que estar absolutamente convencido da sua periculosidade ou da culpabilidade do agente que perpetrou determinado crime. Então, eu prefiro aguardar”.

Condução dos processos pelo STF e pelo ministro Alexandre de Moraes

Acredito que sim (que tem feito um bom trabalho). O STF é o guardião da Constituição. Rui Barbosa dizia que a Constituição é o que o Supremo diz que ela é. As penas estão realmente muito elevadas, mas foram vários crimes. E mesmo que se aplique para cada um a pena básica, o sancionamento acaba sendo alto. Eu não tenho acesso às informações que estão contidas nos autos que o Supremo aprecia. Mas, como tem sido por unanimidade, eu só posso confiar nas instituições do Estado e no órgão máximo do Poder Judiciário. E acho que ele está caminhando bem. Até porque não se justificaria prisões arbitrárias. Qual seria o objetivo disso?”

Militares condenados no STF podem ser julgados pelo STM

Depende. O Supremo julga os crimes comuns, que atentam contra a segurança do Estado de Direito, abolição do Estado Democrático. Mas, eventualmente, pode haver crimes conexos, que são os crimes militares e a competência é nossa para julgá-los. Nesse sentido, o Supremo julga os crimes comuns; os crimes militares, julgamos nós. E mesmo que não haja os crimes militares conexos, se a condenação for superior a 2 anos, transitando em julgado, há possibilidade do Ministério Público Militar oferecer Conselhos de Justificação ou então oferecer representação de indignidade ou incompatibilidade para o oficialato. São tribunais de honra. Esses tribunais não impõem sanções penais, mas avaliam se o militar que foi condenado a uma lena superior a dois anos tem condições de permanecer nas fileiras do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E essa competência é privativa e exclusiva do STM. Mas tudo vai depender de como os processos vão caminhar.”

Vale para qualquer patente

Vale para qualquer patente de oficial, porque a praça já é excluída automaticamente, quando é condenada a uma pena superior a dois anos. Mas o oficial, não.

Os crimes imputados mais do que justificam isso: abolição do Estado Democrático de Direito, tentativa de homicídio são agravos que estão sendo investigados que são graves.

Ação de golpistas em Brasília, no 8 de Janeiro

Ação de golpistas em Brasília, no 8 de Janeiro

Anistia para os envolvidos no 8/1

Acho que é muito cedo falar em anistia, na medida em que nem os réus todos que estão sendo denunciados foram julgados. Mas, claro, o presidente tem competência para indultar, o Congresso tem competência para anistiar. Aí vai variar de acordo com a intenção e a vontade de cada Poder.

Existe dentro do Estado de Direito, o sistema dos pesos e contrapesos, o “checks and balances” que a gente herdou da tradição norte-americana, onde um poder controla e freia os abusos do outro. Assim que a democracia funciona bem.

É claro que o Judiciário não pode anistiar ninguém. O presidente poderia indultar, o Congresso poderia anistiar, mas, a meu ver, ainda está muito cedo para isso ser cogitado. Na medida em que nem todos os réus chegaram a ser julgados.

Então, é preciso que haja uma visão geral do conjunto dos atos que foram perpetrados no 8 de janeiro e agora estão vindo a lume para que futuramente possa se discutir qualquer tipo de exoneração de culpabilidade.”

Anistia prévia

É estranho anistiar alguém que não foi nem condenado, indultar alguém que não tem condenação. Dentro da ordem jurídica é estranho.”

Anistia para o 8/1 x Anistia de 1979?

Acho que as situações são inversamente opostas. Naquela época se buscava a redemocratização do país. E, infelizmente, a anistia ampla, geral e irrestrita, foi o preço pago pelo Estado daquela década para que a transição pudesse ser feita sem maiores agruras.

Hoje, não. Hoje o que se defende é justamente que os tempos não retrocedam e que a história não se repita. Nem como farsa, nem como tragédia. Então, o que se quer evitar é que o Brasil que avançou tanto, que perdeu tantos cidadãos, que conheceu o horror da tortura, dos desaparecimentos forçados, venha viver isso novamente num regime autoritário.

Acerto de contas com o passado

Infelizmente, eu acho que a Comissão da Verdade deixou muito a desejar. Era preciso que, se realmente se quisesse punir, que houvesse um empenho maior, no sentido da reconciliação, como por exemplo, a Colômbia tem conseguido fazer junto às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, nome de uma guerrilha colombiana surgida no país na década de 1960).

A Colômbia criou um tribunal belíssimo, o Justiça Especial para a Paz (JEP), onde os guerrilheiros das Farc e as vítimas pudessem, através do diálogo institucional, se perdoarem mutuamente. O Estado perdoou e conseguiu então, através do perdão, a reconstrução das suas vidas, porque também muitos dos autores de determinados crimes foram vítimas. As Farc sequestrou mulheres, crianças que acabaram aderindo à guerrilha e tem que se julgar situações que são diferenciadas.

Era importante que o Brasil tivesse feito uma reconciliação ampla, mas isso não aconteceu.
Eu não sei se punir hoje seria a resposta na medida em que todos os atores já estão falecidos. Muitos dos torturadores não vivem mais. Vivem os torturados que eram jovens, como a presidenta Dilma e as famílias que sentiram as sequelas e as mazelas, como a minha.”

Cunhado desaparecido na ditadura

Eu mesma tenho um cunhado que é desaparecido político: Paulo Ribeiro Bastos. Ele foi torturado, o corpo jogado no mar, soubemos depois. E o meu marido é um general e o meu sogro também era um general. Isso precipitou o falecimento do meu sogro e isso causa imensa angústia minha família. E é o que eu costumo dizer: a ditadura não escolhe suas vítimas.

Meu marido quando jovem era um tenente, major quando o irmão desapareceu, um rapaz de vinte e poucos anos. Meu cunhado tinha 27. Ele nunca compactuou com o regime de exceção, sendo vítima dele mesmo pertencendo às fileiras das Forças Armadas.”

Como se deu a prisão do cunhado

Ele não chegou a ser preso. Ele foi capturado e foi torturado. Isso nós não sabíamos, eram detalhes que desconhecíamos, mas, anos depois, meu marido foi informado de que ele havia sido submetido a tortura e o corpo jogado no mar. E é terrível isso. Você não poder enterrar seus mortos. É o dilema de Antígona e Creonte. A grande briga de Antígona era poder enterrar o irmão. Era um direito fundamental de todo ser humano. Ter um funeral e você poder chorar seus mortos. Minha família não pode fazer isso.”

Forças Armadas não são instituições de tortura

É importante fazer uma distinção. As Forças Armadas não são instituições de tortura e não são instituições de terror. E o golpe militar de que se fala tanto, na verdade, foi um golpe civil-militar. Foi um golpe do capital multinacional associado, que tinha muito medo do Brasil dar uma guinada e se transformar numa Cuba continental e sair da política do alinhamento automático (com os EUA).

É relevante que nos lembremos que (quando da ditadura) era a época da “Guerra Fria”, onde o mundo estava dividido em dois blocos de influência. Então, quem mandava no fundo era o capital e foi o capital o responsável por todas as mazelas que aconteceram na América Latina durante os governos ditatoriais. Eu não tenho a menor dúvida disso.

Agora, infelizmente, os militares foram o braço armado das elites brasileiras e das elites latino-americanas que não queriam e que temiam o comunismo e a socialização da riqueza.”

Crimes continuados

A tese dos crimes continuados não é uma tese inusitada. É uma tese que o Ministério Público já vinha defendendo há muitos anos e que nunca prosperou. O ministro Flávio Dino está abraçando uma tese que o MP já tinha tentado, quando tentou denunciar os torturadores. Mas eu acho que não é só a questão dos desaparecimentos forçados. E a tortura, que também é um crime imprescritível, um crime de lesa-humanidade?

O Tratado de Roma, do qual o Brasil é signatário, o Pacto de San José da Costa Rica, o Tratado Internacional de Direitos Humanos, todos eles são nesse sentido. E o Brasil é signatário de todos os tratados de Direitos Humanos. Inclusive há uma decisão importantíssima da Corte Interamericana, que é o “Caso Gomes Lund e outros versus Brasil (sobre a ‘Guerrilha do Araguaia’), onde isso foi assentado, que os crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis e podem ser julgados a qualquer momento.
Mas é como eu disse: hoje os autores, os criminosos, praticamente não vivem mais.

Como é que se vai julgar, por exemplo, os torturadores da ditadura varguista? Quem sobrou da ditadura de 37? A filha de Olga Benário (Anita Leocádio Benário Prestes), que já é uma senhora (cuja mãe) foi uma das vítimas de Vargas (que a extraditou impiedosamente, com anuência do STF e a entregou aos nazistas). Uma mulher grávida, que tinha um companheiro que era o (Carlos) Prestes, brasileiro, que poderia ter permanecido aqui no país. No entanto, não permitiram.

Já houve uma condenação da Corte Interamericana, nesse caso (Gomes Lund…), uma recomendação, porque as decisões da Corte não são de eficácia direta e aplicabilidade imediata no Brasil, e o STF já se manifestou várias vezes sobre isso. Mas em termos práticos, concretos, é preciso que haja uma denúncia do MP, é preciso que haja provas, testemunhas. E isso, hoje, praticamente se tornou inviável.
Agora, também sejamos justos para os dois lados. Porque também houve perdas e baixas e mortes de agentes públicos estatais e não só de jovens guerrilheiros que lutaram em prol da democracia.

Desfile de tropas da Forças Armadas

Benefícios concedidos às Forças Armadas

Não existem esses privilégios, mas a sociedade desconhece. Os militares não ganham hora-extra; eles não tem o regime de 8 horas, como o cidadão comum tem. Os militares não tem adicional noturno; não ganham por trabalhar nos finais de semana. Eles são submetidos a uma cadeia de comando onde não podem discutir ordens e tem que cumpri-las, porque senão serão punidos administrativamente e mesmo penalmente. É uma carreira dura. Eles são transferidos para os rincões do Brasil e as mulheres não podem trabalhar.

E, mais do que isso, a questão dos militares não aceitarem a questão da idade. Eu não quero ser considerada uma etarista, até porque eu sou uma pessoa de 64 anos, que já usa a fila privilegiada para entrar no avião, que estaciona na vaga do idoso e que tem dor no joelho.

Mas as Forças Armadas não podem ser compostas por homens velhos. Elas têm que ser formadas por jovens. Um Exército de homens mais velhos não consegue segurar um fuzil. Na Inglaterra, depois dos 40 anos, o militar é colocado no serviço burocrático. Ele sai da tropa. E não é só isso. Tem a questão das promoções, na medida em que os generais permanecem mais tempo, os majores, os tenentes nos seus postos de patentes, os que vem atrás não são promovidos. E aí, as novas gerações se tornam prejudicadas.

Ao contrário do que pensam não é uma punição para o militar prorrogar a vida na carreira. Muito pelo contrário. É um prêmio, porque ninguém quer abrir mão do trabalho que engrandece, que é saudável mentalmente e fisicamente, e, sobretudo, do poder. Nós sabemos que rei morto é rei posto.

Eu era presidente desse tribunal no meu mandato-tampão, quando a PEC da Bengala para a magistratura, passou de 70 para 75 anos. Eu fui radicalmente contra, porque eu acho que não é possível transformar a república numa gerontocracia. E é isso que nós estamos fazendo. Nós estamos transformando a república num reduto geriátrico. E isso é terrível.

Agora está se falando em 80 anos. Quem é que quer sair do cargo? Eu gosto da minha atribuição. Hoje em dia, falando francamente: quem se aposenta perde dinheiro, porque no mínimo, vai ter que começar a contribuir para a Previdência Social. E quem tem tempo de aposentadoria, como é o meu caso, e não se aposenta, não contribui. E isso é um valor significativo, pelo menos para mim que ganho o que está no contracheque. Não ganho mais do que isso. E quem quer perder poder?

Então, veja bem, é um equívoco pensar que elastizar idades contribui para o aperfeiçoamento do Estado. Não é.

É claro que uma pessoa de 60 anos, como eu que tenho 64, me sinto ainda uma pessoa jovem e produtiva, mas eu reconheço, por outro lado, que as ideias envelhecem. Eu sou uma mulher do século passado, eu sou uma mulher que tem dificuldade pra lidar com informática.

Eu reconheço que tenho ideias e visões que envelheceram, porque isso faz parte da minha geração e das minhas vivências, mas eu não quero abrir mão delas. Pois isso compõe e forma a minha personalidade. Agora, é preciso deixar os jovens entrar, é preciso abrir as portas para eles, e se nós prolongarmos as idades nos cargos-chave, nos cargos de governo, nós estamos impedindo que a república se renove. E eu sou radicalmente contra.

Não é porque existe dificuldade por parte dos militares, não é porque a magistratura hoje tem mais condições do que tinha dez, 30 anos atrás para poder votar. Eu reconheço que uma pessoa de 80 anos, se tiver com sua capacidade cognitiva preservada, funciona muitíssimo bem. Ela está no seu ápice intelectual, mas há que se abrir as portas para os que virão depois de nós. Senão, eles não terão oportunidades, as mesmas que nós tivemos, e isso não é justo com a sociedade, e não é justo com as instituições. Isso não é privilégio. Privilégio é permanecer no cargo que você ocupa sem ser molestado, sem ser obrigado a se aposentar, onde você detém uma gama de autoridade de poder, que no fundo, todos nós gostamos. Essa é a verdade. Todos nós seres humanos temos um quê de narcisismo e todos gostamos de permanecer nos cargos que ocupamos.”

Pensões para filhas solteiras

O militar contribui para a pensão da filha, ele paga para que a filha receba. Mas isso é uma tradição que vem da Guerra do Paraguai (1864/1860), que hoje não se justifica mais.

A partir do governo FHC (1995/2002) essa pensão não é mais concedida e os que quiserem manter tiveram que contribuir. Pois, muito bem, eu acho que isso deve ser realmente superado. Não tem mais justificativa para a filha solteira receba uma pensão militar, que a filha solteira da época do Paraguai, da mulher que não podia trabalhar, não estava inserida no mercado de trabalho, recebia.

Morte ficta

Com relação à morte ficta, é exatamente aquele oficial que perdeu o posto porque se tornou indigno. Ou porque não era compatível com as missões que lhes eram atribuídas pelas Forças Armadas, ou porque foi julgado e condenado a uma pena superior a dois anos. Mas aí eu pergunto: e a contribuição do INSS, ele perde? Porque também tem que ver o lado civil. Nós estamos aqui argumentando a questão penal. Ele perde o posto e a patente. E a família? A família preserva o soldo. Ela contribui. Aquilo que se chama benefício, que é a aposentadoria do INSS, de benefício não tem nada. Aquilo é direito. Eu contribui a minha vida como professora universitária durante 30 anos, para que eu pudesse fazer jus a receber quando eu me aposentasse. O militar também. E aí, o que se faz? Aquele dinheiro se perde? A contribuição se perde? Há um perdimento em favor do Estado? E a família fica numa situação de vulnerabilidade?

São questões complicadas porque envolvem direitos que são direitos que foram conquistados e já se integraram ao patrimônio jurídico do cidadão. São direitos adquiridos. Não está se tratando aqui de expectativa de direito, mas de direito adquirido que é clausulado como pétreo dentro da Constituição. Então o Estado vai o quê? Vai devolver por meio de um precatório aquela contribuição que ele deu? Porque ele tem direito, ele pagou e não vai levar?

Isso tem que ser enfrentado. E devolver o que ele contribuiu. Não vai receber porque infringiu a lei? Se for assim essa pensão que é dada aos presidiários também não deveria ser paga.

E são áreas diferentes da Justiça. Uma questão é penal; a outra é civil. Isso tem que ser enfrentado sem cabeça quente, ver como o Estado vai tratar isso e vai, afinal de contas, preservar os direitos, sobretudo da família que tem que comer.”

Cena do filme “Ainda estou aqui”

“Ainda estou aqui”

Assisti ao filme e saí com lágrimas nos olhos e o cinema aplaudiu. Eu acho que (o filme) retratou bem aquele período. E retratou principalmente o papel das mulheres invisibilizadas durante a ditadura. As mulheres que eram esposas, que eram mães, como foi o caso da mulher do Rubens Paiva (Eunice Paiva), que teve o marido torturado e morto pela ditadura, e cujo corpo nunca foi encontrado. E aquela última cena, onde a Fernanda Montenegro aparece sentada numa cadeira de rodas, em silêncio; uma doença que foi o Estado que inflingiu, aquela é a dor de todos nós. Ela acabou depois de tanto sofrimento tendo um Alzheimer, optando pelo esquecimento. Um esquecimento que também é muito simbólico, porque significa que o Brasil esqueceu os erros do passado e não quis puni-los. Foi doloroso ver aquele filme.

Análise sobre os ‘anos de chumbo’

Foram momentos difíceis, momentos dolorosos que o Brasil e a América Latina enfrentaram, e que eu peço e lutarei com todas as minhas forças nos cargos que ocupo que não se repitam. Porque, como dizia um grande amigo, ministro Flavio Bierrenbach (ex-vice-presidente do STM), ‘a democracia quando se despede, não costuma dizer adeus’. E é preciso que nós estejamos atentos a ela para que ela não vá e nós não nos demos conta de que ela partiu.”

Participação dos militares na política

Eu acho que militares e política não se misturam. A política não pode entrar nos quartéis, porque quando ela entra nos quartéis há uma ameaça e um confronto direto entre a hierarquia, a disciplina e a cadeia de comando. Os militares são investidos no monopólio da força legítima das armas do Estado pelo Estado. Eles se submetem ao que nós chamamos de relações especiais de sujeição. Eles não podem se sindicalizar, eles não podem fazer greve, eles não podem se filiar a agremiações político-partidárias. Enquanto estiverem na ativa, não podem falar livremente aquilo que pensam, eles têm que pedir autorização ao comando. Então, há uma série de constrições às suas liberdades, aos seus direitos civis. É fato, mas o militar não é igual ao cidadão civil. E ele opta pela carreira militar por livre e espontânea vontade. Ninguém o obriga. Só o conscrito de 18 anos que tem que prestar o serviço militar obrigatório, que fica lá um ano e vai embora. Mas não é esse que nós estamos falando. Nós estamos falando dos oficiais que ocupam postos-chave na administração pública e que ainda continuam ocupando. Isso não é bom. Isso compromete o próprio Estado de Direito e acho que deveria haver uma separação. Sempre defendi que os militares devem estar submetidos ao poder civil.

A criação do Ministério da Defesa pelo presidente Fernando Henrique Cardoso foi motivada exatamente com base nesse argumento. Os militares tem que se subordinar ao poder civil, tanto que os ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica foram extintos e se transformaram todos no Ministério da Defesa, e os ministros em comandantes. Eles prestam um serviço relevantíssimo à pátria, que é a defesa da nossa soberania nacional, defesa das nossas instituições e, hoje, até da segurança pública, porque as polícias não estão dando conta da violência urbana. É um trabalho muito lindo, que é trazer a presença do Estado para populações ribeirinhas, indígenas, onde é de difícil alcance para o cidadão comum chegar lá.

Então o papel dos militares, ainda mais num Estado como brasileiro, que tem dimensões continentais, é fundamental. E por isso de uma certa forma, eles devem ser preservados de certas injunções, de certas ilações, que podem comprometer inclusive a sua missão constitucional.”

Doutrina Militar

Revisões curriculares são sempre proveitosas. As academias ensinam direitos humanos aos seus cadetes. Mas é preciso sempre atualizar, até porque os direitos humanos de hoje, não são os direitos humanos de amanhã, nem de ontem.

Durante o meu período, por exemplo, universitário no curso de Direito, eu não discutia inteligência artificial, assédio cibernético, não se falava de assédio moral, assédio sexual e sequer se falava em feminicídio.

Era uma prática comum a mulher ser morta pelo marido em nome da ‘legítima defesa da honra’, que só foi superada recentemente pelo Supremo, num voto do ministro Dias Toffoli. E quem brigou por isso foram as mineiras, as belo-horizontinas, as mineiras, que levantaram a bandeira no assassinato de Ângela Diniz (ocorrido em 1976 em Búzios), para dizer que ‘quem ama não mata’.

E hoje, o Doca Street que a matou sob aquele argumento da legítima defesa da honra, só recentemente, é que essa tese foi superada. Então veja como os direitos humanos caminham lentamente e como eles se encontram desatualizados. Por isso que é preciso uma permanente revisão.

(Com relação à doutrina militar) Nós procuramos atualizar. Agora mesmo o Código Penal Militar foi atualizado. Mas na minha visão, ainda não está no ideal.

A questão é que muitas vezes o Congresso Nacional se esquece que existe um direito penal especial, que é o Direito Militar. E ele só atualiza os conteúdos do direito penal comum e as leis esparsas. E nós dependemos do Parlamento para que ele possa renova ou mesmo editar novas normas que estejam em compasso com a sociedade atual.

Isso é um trabalho árduo, porque temos que conversar com os líderes, presidentes das casas congressuais e é um trabalho dificílimo, porque precisamos da maioria para aprovar, às vezes de maioria qualificada se se tratar de PEC. Então, o Direito Penal Militar, eu reconheço que, a despeito de o novo código ter sofrido uma atualização no ano passado, ele ainda é anacrônico.

Prioridades e objetivos à frente do STM

Minha grande prioridade é incluir a Justiça Militar da União no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Quando houve a reforma do Judiciário, a emenda 45 em 2004, não nos foi dado um assento, apesar de nós nos submetermos às resoluções, às determinações, aos protocolos. Recentemente recebemos o ‘Selo Diamante’ do CNJ, que é o órgão de controle externo do Judiciário e que é tão relevante para não apenas o Poder Judiciário, mas também para a sociedade brasileira. Esse é o meu primeiro projeto, que não é de fácil alcance porque depende de uma PEC que já foi proposta no meu primeiro mandato, mas eu só tinha oito meses de presidência e o projeto acabou sendo arquivado. Agora, vamos ver como vai caminhar. Esse é o meu principal objetivo, mas isso não significa que eu vou olvidar os demais.

Um dos mais relevantes para mim é tornar a Justiça Militar mais transparente, uma justiça mais aberta para a sociedade, mais inclusiva, sobretudo, mais conhecida pelos cidadãos. É a justiça mais antiga do Brasil. Ela tem 216 anos e nem os operadores de direito, advogados, magistrados, por vezes, não conhecem da nossa competência, da nossa jurisdição.”

Razões para o desconhecimento do STM

O desconhecimento é muito grande e eu atribuo essa falha a nós mesmos. É preciso que as portas desse Judiciário, que afinal, amalgama toda a história do Brasil. Ele foi criado em 1808 e não em 1964 como muitos incautos pensam. Nós temos aqui, processos da época do 1° Reinado, 2° Reinado, da época Joanina, da República Velha, da Revolução de 30, da Intentona Comunista, do Movimento Tenentista, das guerras, enfim, a história do Brasil está aqui.

Na minha presidência (interina) mandei degravar as sessões que estavam gravadas em fitas de rolo celuloide, da Lei de Segurança Nacional, dos presos políticos que eram julgados aqui e que tinham (em suas defesas) sustentações brilhantes do doutor Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, dentre outros grandes advogados do Brasil, para uma mídia digital que não se perde. E também mandei digitalizar os processos em papel para não correrem o risco de se perder. Eles são guardados numa caixa antifogo e não são mais manuseados.

Abrir a Justiça Militar para a sociedade brasileira é o meu segundo e primordial objetivo. E com isso, eu sei que as benesses virão, uma inclusão maior, uma transparência maior e um reconhecimento maior.  Nós somos alvo de muitas críticas, que eu aceito, porque isso faz parte do debate público, na arena de discussões. Eu aceito com tranquilidade, não me ofendo. Ouço e o que eu puder aproveitar, eu aproveito. Agora, nós também somos dignos de aplausos em outros pontos que não veem e isso não é justo.

É preciso que vejam nossas misérias, critiquem, mas também as nossas grandezas. E nós temos.

Pontos positivos do STM

Durante a ditadura militar, por exemplo, essa Corte de Justiça defendeu muitas das vezes, não que ela não tenha errado, mas muitas das vezes, defendeu os direitos dos presos políticos. É matéria de capa da ‘Veja’ de abril de 1977. E nós quando falamos de abril de 1977, nós falamos do ‘Pacote de Abril’ (no governo Geisel), quando o Congresso foi fechado, medidas excepcionais foram impostas. E a capa da ‘Veja’ foi: ‘A Justiça Militar e os Direitos Humanos mantidos’, com todos os magistrados na frente.

Nós concedemos a primeira liminar em habeas corpus, antes mesmo do STF; garantimos a liberdade de imprensa; criamos um sucedâneo de habeas corpus para impetração de presos políticos, que o AI-5 tinha suprimido, que foi o ‘Direito de Petição’; garantimos o direito de greve.

Existe uma jurisprudência que dignifica o Estado Democrático de Direito, mas que não sabem, e por isso nos criticam.

Eu acho que todas as instituições públicas têm que ser criticadas e têm de ser observadas com lupa, porque nós não podemos falhar com a sociedade. Não podemos, não temos esse direito. Mas eu acho também, em contrapartida,  que aquilo que nós fizemos de proveitoso, de bom, merece reconhecimento.

Papel que terá à frente do STM

(Será o de) Quebrar o teto de vidro. Mostrar às novas gerações de mulheres e meninas, que o lugar de mulher é onde ela quer estar. Ou seja, mulher pode ser dona de casa, cuidar de filhos, que é uma tarefa extremamente árdua, ou entrar para o mundo corporativo e ser CEO, com a mesma desenvoltura que um homem.

Nós somos iguais e o que nós queremos é a igualdade. O olhar da mulher não é melhor, nem pior que o do homem, é diferente. E a diferença, a alteridade e a inclusão são pressupostos e premissas de uma sociedade que se diz fraterna. E é mais do que isso, é uma conquista civilizatória.”

Tarefa difícil

Não é fácil. Eu digo que se hoje eu vou ser presidente do STM é porque muitas sufragistas morreram, muitas feministas de todas as ondas se sacrificaram para que eu pudesse estar lá. Isso, a nível mundial.

Mas a minha luta tem que ser mais árdua do que a das meninas e mulheres da próxima geração, que também lutarão. Mas não podem lutar as mesmas lutas, as mesmas batalhas que eu travei, senão a sociedade não caminha. E eu quero ver a sociedade caminhar.

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